sábado, 21 de setembro de 2019

Manjar para Santa Sára...

*Manjar de Santa Sára, imagem da internet

Este manjar é feito é servido durante a Slava ou festas de Santa Sára, no dia 24 de maio. Mas pode ser feito em outros dias. Pode ser oferecido como oferenda para Santa Sára, ou degustado entre as pessoas que amamos em dias especiais.

Ingredientes:
- 01 litro de leite
- 01 vidro pequeno de leite de coco
- 01 xícara de açúcar
- 01 fava de baunilha (01 colher de essência de baunilha)
- 05 colheres de sopa de amido de milho
- 150 gramas de coco ralado
- 03 Claras de ovos batidas em neve
- Limão (raspas)

Modo de Preparar:
Faz-se a receita, misturando os ingredientes (leite, leite de coco, açúcar, amido de milho, coco ralado e a essência de baunilha) e levando ao fogo brando para cozinhar, até que se faça um mingau consistente.
Depois disso, colocar numa forma de pudim, deixar esfriar e levar à geladeira até endurecer totalmente.
Quando desenformar, bater as claras em neve, acrescentando açúcar, caldo e raspa de limão branco.
Cobrir todo o manjar e levar rapidamente ao forno pré-aquecido para dourar.
E está pronto para oferecer a Santa Sára ou degustar entre as pessoas que ama.

Por Hérick Lechinski
(Chovihanno Chuhuryézo Krái)

Santa Sára, a História Sagrada, por Sibyla Rudana....

*Santa Sára, imagem da internet

No Delta do Rhône, entre o mar e a lendária Camargue existe uma pequena cidade cujo nome tem origem na antiguíssima história das Santas Marias Jacobé e Salomé.

A história desta cidade é contada sobre os fatos que ocorreram no começo de nossa Era, pelos anos 44 e 45. Uma frágil embarcação vinda da Terra Santa chega ao Sul da atual França, exatamente no campo romano “l’oppidum Ra”. Mais tarde, a antiga cidade foi engolida pelo mar.

Dada às perseguições cristãs fomentadas por Herodes Agrippa, alguns discípulos de Jesus foram colocados numa barca sem remos, sem velas, sem provisões, em represália à fidelidade a Cristo. Entre estes supliciados estavam: Maria Salomé, mãe dos discípulos Tiago, o Maior e João; Maria Jacobé, irmã ou prima da Virgem Maria; Lázaro e suas irmãs Marta e Maria Madalena; Maximino e Sidônio, o cego de Jericó.

Conta a tradição que a serva Sara se junta ao grupo. Quando a barca avança, ela suplica que a levem. Um milagre a fez chegar até o barco. Sobre o manto que Maria Salomé atirou nas águas para auxiliá-la, Sara caminha e alcança a barca.

Existem muitas lendas e outras tantas versões dos fatos. Para alguns, a viagem foi feita numa galera que fazia o caminho rotineiro entre a Palestina e a Europa.

A vida de Sara também possui outras tantas crenças que influenciaram decididamente em sua conversão ao Cristianismo, e ela Sara, mais tarde, passaria a ser sua serva.

Para outros, Sara era egípcia, foi uma abadessa ou freira de um convento da Líbia, ou ainda descendente dos Atlantes.

Os ciganos a veneram com o nome de Sara, a Kali, que significa a força cigana de pele morena. Kali é o nome de uma deusa negra indiana venerada no Sul da Índia.
Princesa ou serva, a doce Sara guarda até hoje o seu mistério.

Maria Jacobé ou Maria Salomé já idosas permanecem no lugar de chegada em companhia de Sara. Os companheiros de viagem se dispersam e partem para evangelizar a Gália.

Por Sibyla Rudana

- Fonte:
RUDANA, Sibyla. Os Mistérios de Santa Sara, o Retorno da Deusa pelas mãos dos Ciganos. Rio de Janeiro: Portais. 1998.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Oração a Santa Sára Kalí...

*Santa Sára pintada pelo magnífico artista carioca André Luiz

Tu que és a única cigana divina no mundo. Tu que sofrestes as humilhações dos não ciganos. Os não ciganos temendo você, jogaram-te ao mar, para que morresses de sede e de fome. Tu que sabes o que é o medo, a fome e a dor no coração. Não permitas que meus inimigos zombem de mim. Que tu sejas minha advogada diante de Deus. Que tu me concedas sorte e saúde. Que Deus o permita!

- Fonte:
RAMANUSH, Nicolas. Os segredos dos oráculos ciganos. São Paulo: Embaixada Cigana do Brasil. 1ª Edição. 2015.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Elementos de Culto à Santa Sára Kalí...

*Vela azul celeste
Elementos de culto à Santa Sára Kalí:
- Velas brancas e azuis (celeste ou marinho); 
- Água (mineral ou do mar);
- Vinho tinto suave;
- Incensos de rosa branca, alfazema/lavanda, baunilha e algas;
- Pedras preciosas e semipreciosas como o quartzo cristal, a água marinha e a ametista;
- Flores como rosas e palmas brancas, as hortênsias também são do seu apreço;
- Frutas, conchas e punhais (de prata)...


*Conchas
Estes são os elementos que não podem faltar em um altar em dia de culto à Santa Sára Kalí, que pode ser as segundas-feiras, sábados, todo dia 24 ou dia 24 de maio...


*Procissão de Santa Sára - França 
Mas os principais elementos de culto à Santa Sára são a sua fé, o seu carinho, o seu amor e o seu respeito... Não deixe nunca que estes importantes elementos faltem em seu culto à Ela...

Hérick Lechinski
(Chovihanno Chuhuryézo Krái)

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Oração de Santa Sára (em Romani)...

*Chovihanno Chuhuryézo Krái rezando à Santa Sára, na gruta de Santa Sára no Arpoador - RJ

Tu ke san pervo icana romni ane lumia. Tu ke bilazhato le gazhe anas sogodi guindisas. Tu ke daradiato le gazhe, tai chudiato ane maria, te meres bi paiesko tai bokhotar zhanes so si e dar, e bokh thai e duck ano ilo. Te na mekles mure dushmaia te assal mandar. Te aves muri dukata anglal o Del. Te des mam baxt thaj sastimos. Thai te blagos muro trajo. Te del o Del!

- Fonte:
RAMANUSH, Nicolas. Os segredos dos oráculos ciganos. São Paulo: Embaixada Cigana do Brasil. 1ª Edição. 2015.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Viva Santa Sára Kalí, Murri Dei, Rogai por nós...


Importante esclarecimento sobre Santa Sára, por Mikka Capella...

Santa Sara Kali

*Santa Sára, Linda, na Tsera de Mikka Capella

Conhecida genericamente como a “padroeira do povo cigano” ou “a santa dos ciganos”, é quase impossível falar dos rhomá sem mencionar Santa Sara Kali.

Completamente desconhecida no Brasil até meados dos anos 90 (exceto pelos poucos que haviam lido Tradições Ocultas dos Ciganos, de Pierre Derlon, cuja primeira edição brasileira foi publicada em 1977, pela Livraria Bertrand), a santa foi popularizada pela novela Explode Coração (Rede Globo, 1995-1996). A partir daí, tornou-se um ícone, uma espécie de fetiche cultural, onipresente nas festas temáticas, autoproclamadas ciganas, e nos altares domésticos daqueles que se devotam às entidades espirituais ciganas.

Mas o que há de verdade nisso? Quem é, ou foi, Santa Sara? Ela é realmente a padroeira dos rhomá?

Vamos começar pela última pergunta, que tem a resposta mais imediata – quem visitar a pequena cidade francesa de Saintes-Maries-de-la-Mer, na Camargue, poderá ler, na última frase da plaquinha do lado de fora da igreja das Santas Maria Salomé e Maria Jacobé, a seguinte inscrição: dans la crypte: statue de Sainte Sara patronne des gitans, “dentro da cripta: estátua de Santa Sara, padroeira dos ciganos”. No entanto, melhor seria dizer que Sara é UMA padroeira dos rhomá; daqueles que se alinham, de alguma maneira, com as crenças católicas, é claro. 

Por que dizemos UMA padroeira, com tanta ênfase no UMA? Porque Santa Sara é aquilo que chamamos aqui no Brasil de “santa de culto local”. É como a Nhá Chica ou Santa Anastácia, que contam com grande número de devotos em determinada região, mas não foram canonizadas, ou seja, não foram oficialmente reconhecidas pela Igreja Católica, e não são muito conhecidas fora daquela região.

É claro que o reconhecimento do Vaticano não é algo imprescindível para os devotos de qualquer santo, muito menos para os rhomá, que, como já dissemos, não têm muita consideração pelas autoridades religiosas dos gadjé. O fato, entretanto, é que Sara não é muito conhecida fora da Camargue, assim como a Nhá Chica não é muito conhecida fora do estado de Minas Gerais. É uma santa de devoção, principalmente, dos manush e dos calé que vivem no sul da França. Sua devoção atinge até o município espanhol de Girona, próximo aos Pirineus. Para além disso, os calé que vivem em outras regiões da Espanha têm outras padroeiras, Como a Virgen de La Macarena e a Virgen del Rocío. No Brasil, considera-se Nossa Senhora Aparecida a padroeira dos ciganos, e a imagem dela é muito mais frequentemente encontrada nos lares rhomá do que a de Santa Sara.

Por que, então, todo o frisson acerca de Sara? Tudo começou com a já mencionada novela, e foi levado adiante por um sem-número de pessoas que literalmente pegaram carona no sucesso midiático. De repente, Santa Sara, ela mesma uma santa desconhecida e exótica, estava na TV, no rádio e nos livros; tornou-se portadora de toda a carga simbólica de um povo exótico, com uma espiritualidade exótica.

É bem verdade que algumas vezes a devoção fervorosa – e um tanto forçada – a esta santa chega a parecer uma condição imperativa para a afirmação da identidade romani aqui no Brasil. Você dificilmente encontrará um evento temático em que não haja um simulacro de altar para Santa Sara. Todos os anos, quando chega o dia 24 de maio, inúmeros lugares, desejosos de ostentar uma autenticidade étnica que não possuem, promovem “slavas” ao custo de um ingresso, ainda que os responsáveis por isso jamais tenham estado em uma slava de verdade e não façam a mínima ideia do que estão fazendo.

Nada será considerado “cigano” o bastante se não tiver uma imagem enfeitada de Santa Sara no meio. Lamentavelmente, ela se tornou a referência dos que não têm referência; um símbolo esvaziado de sentido, um recurso evocativo e estético.

Isso significa que não há pessoas e famílias rhomá sinceramente devotas de Sara? É claro que não. Eu mesmo sou muito devoto de Sara e minha família se reúne todos os anos para um bródio, que é uma das formas como os calé se referem às suas festas, em homenagem à Negrinha, que é como nós a chamamos, carinhosamente. Nada disto significa, também, que pessoas não-ciganas estão de alguma forma impedidas de nutrir sincera e honesta devoção por Sara. O fato de uma parte do nosso povo tê-la escolhido (ou ter sido escolhida por ela) não faz dela nossa propriedade. Aliás, a esta altura já deveria estar claro que os rhomá não acreditam que o espiritual, o divino e sagrado, como a própria Terra, sejam propriedade de ninguém.

Mas quem é, afinal, Santa Sara? Para responder a esta pergunta, precisamos falar de um fenômeno religioso que existe no mundo todo, mas é muito recorrente na Europa – as Virgens Negras. As Virgens Negras são estátuas femininas, invariavelmente de pele escura, que aparentemente representam a Virgem Maria, e cuja origem é envolta em mistério. Um exemplo bastante familiar ao povo brasileiro é o de Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem surgiu, inicialmente sem a cabeça, na rede de um pescador. Outro exemplo é La Moreneta, a Virgem de Montserrat, que, segundo consta, surgiu de dentro de uma rocha atingida por um relâmpago no Montserrat, na Espanha. Santa Sara é também uma virgem negra.

Ninguém sabe ao certo como sua imagem foi parar naquela igreja, é como se sempre tivesse estado lá. A imagem original era um busto simples, que hoje está guardado no museu da cidade. A respeito da santa, um número considerável de lendas foi criado. Alguns contam que era uma escrava egípcia, outros que foi uma sacerdotisa Lídia; há quem jure que era uma cigana ou até mesmo filha de Maria Madalena e Jesus.

A história da barquinha é a mais famosa e a festa anual de Saintes-Maries-de-la-Mer gira em torno dela. Em uma versão, Sara vinha na barquinha, com José de Arimatéia e as três Marias, Madalena, Salomé e Jacobé. Em outra, mais difundida na Camargue, ela já estava lá quando teve uma visão sobre a chegada das Santas Marias e foi para a praia esperar por elas. É por causa disso que a procissão de Sara acontece um dia antes da das Santas Marias, no dia 25.

Historicamente, porém, as datas não coincidem. Sabemos que não é possível falar de ciganos, ao menos não de rhomá, antes do século XI, o que anula efetivamente a possibilidade dessa Sara da lenda ter sido uma cigana. O mais antigo registro que existe de uma Sara naquela região é do século XVI e diz respeito a uma mulher que teria atravessado Camargue a pé, mendigando para ajudar uma pequena comunidade cristã que enfrentava grandes dificuldades.

Como começou o culto à Santa Sara em Saintes-Maries-de-la-Mer, ninguém sabe dizer. Tampouco existe alguma explicação verificada e irrefutável para o fato de os rhomá daquela região a terem adotado como sua santa padroeira. Conjecturas há, aos montes. Para alguns, o busto que havia na igreja pode ter sido não de uma santa, mas uma homenagem a esta Sara andarilha, capaz de atravessar quilômetros a pé para ajudar a sua comunidade religiosa. O fato dela ser uma caminhante, que atravessava cidades mendigando, teria levado à sua associação com os rhomá.

Pessoalmente, acredito que a explicação, embora absolutamente desnecessária, seja mais simples. Sara figurava em uma cripta, que está no subsolo da igreja, à margem de seu espaço principal, exatamente como os rhomá estão quase sempre a margem do espaço principal das cidades. Ela não está apenas à margem, também está abaixo, no subsolo, de onde algumas de nossas lendas dizem que vieram os nossos mais antigos ancestrais. Não obstante, ela tem a pele escura, daí chamá-la kali, em romani, que significa “negra”. Hoje é bastante comum encontrarmos rhomá de pele bem clara, alguns até louros, de olhos verdes ou azuis, mas nosso fenótipo original – que certamente tinham os nossos antepassados ao chegarem à Europa – é a pele, os cabelos e os olhos bem escuros. Então é provável que os manush e os calé do sul da França apenas tenham visto em Sara alguém que era como eles, que os entendia e que poderia, desta forma, melhor interceder por eles junto a Duvvel, o criador.

Não é demais lembrar que não existe uma religião romani. O culto a Santa Sara é católico, mesmo que possua muitos aspectos sincréticos – o que não é de modo algum estranho ao catolicismo. Da mesma forma, são católicos todos os cultos aos santos padroeiros que os rhomá adotam em outros lugares do mundo.

Há rhomá de outras denominações religiosas, e até mesmo rhomá que não têm religião alguma para quem falar em santos padroeiros, seja Sara ou qualquer outro, não faz qualquer sentido. Eles não são menos rhomá por causa disso.

Fonte:

Mikka Capella

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Cripta de Santa Sára na Igreja de Saint Michel e de Notre Dame de la Mer, em Saintes Maries de la Mer (Camargue) – França...

Na cripta de Santa Sára - França

*Vídeo produzido pela Embaixada Cigana do Brasil - Phralipen Romani

Santa Sára, por Nícolas Ramanush...

Sarah la Kali

*Nícolas Ramanush na gruta de Santa Sára, em Pernambuco - Brasil

A primeira menção histórica a respeito de Sarah la Kali foi encontrada em um texto escrito em 1521, por Vincent Philippon, intitulado: “A Lenda das Santas-Marias”. Suas páginas manuscritas encontram-se agora na biblioteca de Arles. Nesta versão da lenda, Sarah vivia em Camargue, no sul da França (sem mais detalhes), entre ciganos do clã Sinte.

De acordo com outra narrativa, Sarah era de nascença uma egípcia e foi para a Palestina como escrava de José de Arimatéia. Este, que no ano 50 d.C empreendeu fuga da perseguição romana aos cristãos, viajando através do mar em uma pequena embarcação acompanhado de Maria Jacobina (irmã de Maria de Nazaré), Maria Salomé (mãe dos apóstolos João e Tiago) e Maria (mãe de Jesus). Eles se depararam com uma tempestade severa e segundo essa versão da lenda, Sarah guiou a todos, por meio da leitura das estrelas, para a costa distante, no sul da França. 

Em outra lenda, que nós ciganos Sinte, acreditamos muito mais... Sarah la Kali foi uma cigana que estava acampada na costa ao sul da França, quando o barco em questão se aproximou. E o contato entre ela e as "Marias vindas do mar" se deu da seguinte forma: de acordo com Franz Ville, autor do livro (Tziganes, editado em Bruxelas 1956): "Uma de nossa gente foi quem recebeu a primeira revelação e essa pessoa foi Sarah la Kali. Nascida em uma família cigana, Sarah la Kali foi a pessoa principal de seu clã em Rhone (antigo nome da atual cidade de Saint Marie de La Mer). Ela foi escolhida como sacerdotisa-iniciada nos elementos Terra, Água e Ar e é por esse motivo que se vestia de preto, daí seu nome Sarah la Kali (em Romanês, Kali significa preto). Conhecedora de todos os segredos a ela transmitidos, e, diga-se de passagem, eram muitos os segredos; pois nós, ciganos, a esse tempo já conhecíamos os fundamentos de várias religiões e dominávamos várias formas de ocultismo. Nessa época uma vez por ano, os ciganos Sinte colocavam em seus ombros a estátua de ISHTAR (a filha da Lua) e entravam no mar para receber suas bênçãos (fato que atualmente ocorre com a imagem de Sarah la Kali). Ainda há registros nas tradições orais em Romani desta parte da lenda:
"Um dia Sarah la Kali teve visões que a informaram: as "Marias" que estiveram presentes à morte de Jesus viriam para sua região e que ela as ajudaria. Sarah viu-as chegando em um barco. O mar estava bravio e ameaçava afundar a embarcação. Sarah lançou seu lenço nas ondas e, usando o mesmo, caminhou sobre as águas ajudando as "marias" a desembarcarem em segurança.”

A bem da verdade Saintes-Maries-de-la-Mer, ou "santas Marias do mar ", é uma pequena vila de pescadores localizada no centro-sul da costa do mediterrâneo, França, na região de Camargue de Bouches-du-Rhone. Escavações arqueológicas e lendas locais indicam que a região tem sido venerada como um lugar sagrado por uma sucessão de culturas, incluindo os celtas, romanos, cristãos e, mais recentemente, nós, os ciganos. Uma vez que era o local sagrado da deusa tríplice celta – ligada às águas (a deusa tríplice é o cerne das religiões pagãs e está presente em diversas culturas). Na cultura celta, há várias deusas que assumem esse papel de deusa tríplice, trazendo em si as três fases da vida: nascimento, crescimento e morte. São representadas por uma mulher que traz em si a adolescente, a mãe e a anciã. O três ou a tríade, antes mesmo de ser usado no Cristianismo, era a base da magia e religião celta, pois se baseava não só nas três fases da vida, mas também nas estações (que no início eram contadas como três – sendo que uma dependia da Terra, outra da Água e a última do Ar). Em época celta a cidade possuía uma deusa da primavera conhecida pelo nome de Oppidum Priscum Ra. A adoração a deusa tríplice da água foi substituída por templos romanos dedicados a Artemis, Cibele e Ísis. Já em 542 dC, a cidade era conhecida como Saintes-Maries-de-la-Barca, em 1838, recebeu seu nome atual: o de “Saint Maries de la mer”. Fontes históricas mencionam uma igreja do século 9 construída na vila, mas muito pouco se sabe sobre a história da cidade antes do século 14, por causa de sua localização remota. Não se sabe exatamente quando e por que a igreja da vila se tornou o local mais sagrado dos ciganos"manushes", algum tempo após sua chegada na Europa no início dos anos 1400.

Outros aspectos de Sarah la Kali: 
Quando nas lendas aparece a referência de que ela foi escolhida como sacerdotisa iniciada, na realidade isso equivale a dizer: ela era a personificação de uma Shakti. E dentro dos conceitos atávicos que trouxemos do norte da Índia, como personificação de uma Shakti, Sarah la Kali exercia a proteção dos oprimidos e perseguidos e é por isso que alguns clãs ciganos peregrinam rumo ao "santuário" de Sarah la Kali, em Saint Marie de la Mer, na França.

Fonte:
- Embaixada Cigana do Brasil.
http://www.embaixadacigana.org.br/saint.html#sarah

Nícolas Ramanush

quarta-feira, 26 de junho de 2019

1ª publicação sobre Santa Sára no Brasil...

Sara, a Kali

*Cripta da Igreja de Saint Michel e de Notre Dame de la Mer, em Saintes Maries de la Mer (Camargue) – França

Quer a lenda que pouco depois da morte de Cristo, as três Marias, Maria Madalena, Maria Jacobé (mãe de Tiago o Menor) e Maria Salomé (mãe de São João e de Tiago o Maior), foram atiradas pelos judeus numa barca sem remos nem provisões. Estavam acompanhadas da criada Sara, de José de Arimatéia, de Lázaro e de Trófimo. A barca aportou miraculosamente na praia arenosa próxima da foz do Petit-Rhône; hoje as Saintes-Maries-de-la-Mer são um lugar de peregrinação católica e um ponto de encontro dos ciganos.
A devoção da “gente da viagem” não se dirige às Marias, mas curiosamente à criada delas, Sara a Egípcia, Sara a Kali, Sara a Negra. Sua estátua se encontra na cripta da igreja, que esteve interditada aos gadjés até 1912. Nos dias 24-25 de maio, os boêmios passavam a noite ali, ofereciam cera à “Virgem Negra” e lhe enguirlandavam o vestido azul pálido de flores de rendas e de talismãs diversos. Em 1935, os gadjés tiraram-na da sombra para torná-la uma dançarina de festa de feira: integrada na cerimônia cristã (a “Festa da Luz”), ela dá lucro. No dia 24 de maio, de manhã, seis boêmios, de túnicas brancas, levam ao mar a barca sagrada contendo as estátuas das santas. Nômades e gadjés assistem das praias a bênção do mar, feita pelo padre em sua barca. Os turistas vêm do mundo inteiro ver Sara na peregrinagem da mentira. Mas a Kali não tem o que fazer do sol do gadjó.
Sua boca só tem sorrisos para os Roms, que sabem encontrá-la na sombra de sua cripta; em horas que eles conhecem e que vós não conheceis. Deixai-me contar-vos a aventura tal como a pude viver.
Só estando na cripta foi que eu compreendi. Embaixo dos degraus, parei. À direita, havia dezenas e dezenas de velas, da menor à maior, desde a oferecida pelo humilde cesteiro à colocada pelo chefe da tribo, milionário. As chamas conjugadas jorravam luz. No seu vestido talhado numa fazenda de dançarina de feira, Sara sorria para mim.
Eu tinha feito o caminho de Paris às Saintes-Maries-de-la-Mer só para cruzar a igreja correndo, descer alguns degraus e, depois, ficar diante da padroeira dos ciganos.
Eu sabia que, para um cigano, existia algo mais que essa estátua escondida no subsolo de uma igreja. Nessa cripta, onde pela terceira vez eu punha meus pés, com vinte e oito anos de intervalo, o jovem, que eu era em outros tempos, tinha depois esfregado o couro nas velhas carapaças dos kakus, e minha visão era diferente. Não estando absolutamente convencido da virtude sobre-humana de uma simples estátua, eu procurava compreender de onde vinha seu incontestável feitiço. Os sábios tinham-me ensinado que os objetos mortos só podiam viver na medida em que o homem lhes dava a vida.
O mesmo se dá com o violino e o arco; sem o artista que os sabe utilizar, são dois objetos inúteis. Sei agora que Sara das Saintes-Maries-de-la-Mer é, para os ciganos, o que é o violino nas mãos do violinista: um instrumento. A arte está em saber fazê-lo vibrar. Em termos de magnetizadores ou de feiticeiros, a estátua de Sara a Kali está “carregada”. Nela se condensam as energias sutis de muitas gerações de nômades. O princípio é o mesmo utilizado na feitiçaria, quando a efígie de uma pessoa, a quem se quer o mal é “carregada”, depois furada com agulhas. Essas práticas bizarras são velhas como o mundo, mas não reconhecidas ainda pela ciência oficial. No caso de Sara, as emanações sendo benéficas, recaem sobre a coletividade reunida em torno da estátua. Os que preservaram certa forma de sensibilidade poderão, portanto, provocá-las e depois captá-las. Além das vantagens físicas reais, eles extrairão um sentimento de alegria, de bem-estar e de conforto.
Tudo isso está longe do culto habitual dos santos, e há, mesmo kakus que pretendem que a lenda de Sara – se não foi inventada em todos os detalhes – não passaria de um pretexto. É por isso que tenho a certeza de que o olhar do padre das Saintes-Maries não penetrou jamais o rosto de gesso de Sara a Negra.
A oração é uma coisa por vezes necessária – disse-me um dia Hartiss. – Reconforta os homens fracos. Pode ser também uma música, mas, para ser eficaz para o homem, não deve surgir do fundo da memória, mas jorrar do coração como uma fonte, porque a fonte que jorra do ventre da terra tem mais força natural que o canal constituído pela mão dos humanos. No dia em que fores à cripta das Saintes-Maries-de-la-Mer, constituída pela mão dos homens, fecha os olhos diante de Sara a Negra e conhecerás a fonte em que se banha a alma dos meus irmãos de raça.
Se Santa Sara é para os feiticeiros ciganos um “suporte psíquico”, ela é para a coletividade da “gente da viagem” a própria imagem da Mãe.
“Não é a volta sobre ti mesmo, dizia-me Pierre le Petit, kaku em Arles, que vais encontrar nas Saintes, é o ventre de tua mãe, o sorriso de tua mãe, sua boca, seus olhos, suas mãos e sua energia. Anda descalço, com duas velas nas mãos, apanhadas no banco de ferro onde as puseram seus irmãos, vai olhando para ela com teus olhos bem abertos, vai sem que teus olhos cessem de olhar para os dela. E quando tua boca estiver perto da dela, vê-la-ás sorrir e pronunciar teu nome. Então fecharás os olhos, depois os abrirás lentamente. Seu sorriso será diferente.”
Sem o poder do olhar, Sara a Kali não seria para mim mais senão uma efígie como as outras.
Atribuem-se à histeria certos fenômenos de estigmas, de visões. Se os estigmas são visíveis, a visão só é perceptível para aquele ou aquela que a experimenta. Sua existência, não sendo nada palpável, os gadjés chamam-na de alucinação, salvo se for de origem religiosa. Eles falam então de uma visão. A história das religiões está submersa em fenômenos de estátuas que choram ou que se animam. Logo no princípio de nosso encontro, Hartiss me dizia:
- Não rejeiteis tudo em bloco pois, no fundo de cada coisa, uma certa verdade permanece. Por mais estranhas que possam parecer, essas investigações extra-sensoriais não são menos perceptíveis para aquele que conhece seu mistério.
O escritor, o músico, só existem em função dos que os julgam.
Aquele que sabe como dar vida a uma estátua de pedra, de madeira ou argila, não o faz senão para si mesmo. É ao mesmo tempo o escritor e o leitor, o músico e o auditório, única testemunha e juiz único do que ele mesmo cria.
Por uma contração muscular dos olhos, chego a fazer Sara a Kali sorrir na sua cripta. Seu sorriso me dá tranquilidade, a mesma que os meus amigos da viagem vem procurar. Os meios que eles empregam são diferentes dos empregados pelos kakus; são mais simples, pois se contentam em sentir a emoção sem procurar a fonte. Os nômades desejam e realizam o milagre quando chegam ao “lugar” em que Sara sorri, porque só na Saintes-Maries-de-la-Mer eles podem encontrá-la. A padroeira dos boêmios, em comparação com as outras santas, só existe nesta igreja, em nenhuma outra do mundo.
“Reproduzir Sara em muitas Saras é impossível, pois seu sorriso é feito de todas as bocas dos Roms que beijaram seus lábios. Milhares de bocas pousaram sobre a sua. Cinquenta vezes em cinquenta anos eu pousei a minha. E se suas faces parecem viver é porque conservam o calor das mãos de nossos bebês”, dizia-me Pitt Zolaroff.
- Já pousaste tua boca na de Sara?
- Sim.
- De todos os gadjés que conheço tu és o único que conhece o rito, por quê?
- Porque sei o que vocês vêm buscar!
- O quê?
- A mãe! A mulher! A irmã! A rainha, a phuri dai secreta dos Roms do mundo inteiro.
Diante de mim, Solar baixa a cabeça e fala:
- Tu só conheces um segredinho. Mas o outro, “o grande”, será preciso que tenhas uma grande barba e muito amor. Quando o conheceres, quando conheceres esse segredo não falarás dele. Porque nossa única força, é o silêncio, Pierre, é o silêncio.
- Não escrevo tudo que sei, Solar.
- Então, é que compreendes o “silêncio”. Dizem que nosso povo vive na mentira. Muitas vezes a mentira protege o segredo. Nunca se leva a sério o homem que mente. E aí está sua força. 
Neste ano não revi Solar. O grande encontro dos Roms torna-se cada vez mais deserto. Dos meus amigos da viagem vindo de 1947, só tornei a encontrar um deles.
“As Saintes-Maries-de-la-Mer estão morrendo”, dizia-me o manuche Torino Ziegler. Eu digo que já estão mortas.
Há vinte e cinco anos, em 1947, atrás de Sara a Kali que ia para o mar levada pelos ciganos, seguia-se uma extensão de vestidos de todas as cores que caíam até os tornozelos das mulheres, um cortejo colorido. As crianças descalças, de acordo com as idades, seguiam as mulheres ou os velhos e se agarravam a “grande serpente” que partindo da cripta chegava até a praia.
Em 1973, mulheres de mini-saia, sapatos de salto alto ou calças compridas, seguiam o cortejo. Pareciam ter esquecido os tabus ancestrais: “Só descobrirás teu corpo em segredo, porque as tuas pernas são duas raízes que levarão a vida”. Cinquenta anos antes essas mulheres, depois de serem chicoteadas, seriam enviadas para a casa de um parente distante. Hoje, só as meninas fazem rodopiar seus vestidos ao som das guitarras.
A procissão não se arrasta atrás dela, à exceção de alguns ciganos que, com seus cavalos, perderam igualmente o espírito da estrada. A mecânica matou entre eles o espírito tribal. Conheço alguns que esqueceram o que os avós ensinaram.
Os jovens mesclaram-se com os hippies que os imitavam, enquanto os velhos balançam a cabeça, vieram aqui a procura do tempo perdido.
No ano passado, Sara usava ainda os feixes de chicotes à guisa de cinto e os lenços para diklos amontoavam-se no altar taurobólico pois ainda há ciganas que lhe ofertam a sua virgindade. Garras de pantera incrustadas em ouro estavam pregadas no diadema de pérolas falsas.
E, a seguir, um dia vi um kaku usar o silêncio como uma força. Nessa manhã a cripta estava cheia de turistas, homens e mulheres de short, máquinas fotográficas a tiracolo, falando alto como num museu de feira. Subitamente, senti sua presença. Não estava sozinho; um adolescente, seu filho, sem dúvida, o acompanhava. Abrindo caminho, logo se encontrou diante da estátua. Cobrindo-a então com seu corpo, ele voltou-se e só olhou para os gadjés. Seu rosto pareceu transformar-se. Seus bigodes, caindo sobre as pregas dos lábios, pareciam ter-se tornado o escrínio do desprezo. No mesmo instante, eu soube que ele ia “olhar”. O silencio mergulhou então naquele grupo. E, uns atrás dos outros, os turistas saíram da cripta e reuniram-se nos degraus. Em pouco tempo, só restavam sob a luz movediça das velas as nossas três presenças. Inconscientemente, coloquei-me ao seu lado. Ele agora fixava o olhar no rosto de Sara. Eu sentia fremir o seu ser. O adolescente deu um passo atrás; ele avançou e beijou Sara na boca, depois voltando-se para mim, interrogou-me com o olhar. Pondo então o indicador nos lábios, fi-lo compreender que eu já bebera na fonte. Depois abrimos passagem a amálgama humana, de pernas nuas e de espírito tomado de estupor; separamo-nos diante da pedra branca, na qual, diz a lenda, as duas Marias encostam suas cabeças para dormir.
Três vezes na semana, encontrei-o em silêncio. E há silêncios que falam. Não! A magia dos ciganos não está morta. Ela retorna ao colo da mãe. Antigamente, antes dos padres proibirem o acesso noturno, essa cripta servia de cama aos mestres-feiticeiros. Seus filhos, ainda hoje, vêm matar a sede nas fontes, mas por quanto tempo ainda?

Fonte:
DERLON Pierre. Tradições Ocultas dos Ciganos. São Paulo – Rio de Janeiro: DIFEL, 1975.

Pierre Derlon

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Brasileiros conhecem Santa Sára...

*Ilustração de Santa Sára, desconheço o artista

"Sem dúvidas, se brasileiros hoje conhecem e cultuam Santa Sára, a Kali, deve-se isso ao livro de Pierre Derlon, “Tradições ocultas dos ciganos”, que foi traduzido por Antonieta Dias de Moraes e publicado no Brasil em 1975, pela editora DIFEL. Após a publicação do livro de Pierre Derlon, brasileiros vão ver e ouvir falar de Santa Sára novamente, agora na telinha das nossas televisões em 1995, através da novela “Explode Coração”, de Glória Perez, o ingresso de Santa Sára nesta novela foi uma importante contribuição da Romni Kalderash Mirian Stanescon. Pronto, depois disso não teve quem não conhecesse Santa Sára, que passou então, erroneamente a ser considerada a “padroeira” de todo o povo Roma (Ciganos)."

*Conclusão de uma interessante conversa com o meu amigo Mikka Capella (Rom Sinte).

Hérick Lechinski

domingo, 23 de junho de 2019

terça-feira, 18 de junho de 2019

Sunto Sára Kalí...

Santa Sára Kalí

*Imagem de Santa Sára Kalí, na cripta da Igreja de Saint Michel e de Notre Dame de la Mer, em Saintes Maries de la Mer (Camargue) - França